Ernesto Soares

“CAVA E AS PESSOAS CENTENÁRIAS DE VIEIRA DO MINHO”

Com ternura, Maria Custódia Soares afaga as mãos do irmão, Ernesto Soares, centenário de Vieira do Minho, e diz: “Tens as mãos frias!”.
Aos 102 anos, o mundo de Ernesto resume-se a uma pessoa: a irmã, de quem, há mais de 45 anos, não se quer separar por nada, depois da morte dos pais.
Como sua interlocutora, a irmã narra um pouco do que foi e é a vida deste centenário vieirense.
“Eu vivia no Porto, mas como o Ernesto ficou sozinho, vim viver com ele, aqui, em Cantelães”.
Nascido a 4 de outubro de 1921, em Eira Vedra, Ernesto Soares cedo mudou para Cantelães, onde viveu com os pais, que trabalhavam na “lavoura”, e mais quatro irmãos – três rapazes e uma rapariga.
Aos dois anos, teve meningite e essa fatalidade levou-o a ser sempre protegido por todos.
Gostava muito de brincar, mas os pais, com medo que lhe pudesse acontecer alguma coisa, “pois não se sabia defender”, não o deixavam muito andar sozinho.
Ainda assim, Ernesto fintava o destino e brincava com os vizinhos às escondidas e jogava à macaca. “Era muito alegre, brincalhão e divertido. Gostava muito de cantar à maneira dele”, diz Maria Custódia. Mas também gostava de ir à capela rezar. “Isso, para ele, era uma alegria. Agora, assim como está [na terceira idade], só dorme”, brinca a irmã.
Mas a infância não foi só brincadeira, pois também gostava de ajudar em casa.
“Era muito trabalhador, gostava muito de ajudar em casa. E era muito obediente. Agora, não faz nada”, refere Maria Custódia, entre risos.
“O meu irmão ajudava as cozinheiras e carregava a água; ia buscar abóboras ao campo e gostava de desfolhar milho, isso é que ele gostava”.
Guardar as vacas era outra das suas tarefas favoritas, embora também o fizesse perder a paciência. “Guardava as vacas e gostava muito de o fazer, mas elas fugiam-lhe… olhe, era uma risota. Ele zangava-se com as vacas”, relembra com um sorriso Maria Custódia.
Habituar-se ao calçado, foi outro dos problemas, pois, como conta a irmã, “não gostava nada de andar calçado”.
“Só queria andar descalço e custou-lhe muito habituar-se ao calçado. Não é como agora, pois, naquele tempo, havia pouco calçado, era muito grosso e ele não o queria usar. Depois, quando vieram as sapatilhas e as botas, aí, ele já gostava. Só nessa altura é que se habituou bem”, conta.
Maria Custódia desfia outras memórias e recordações sobre a infância e adolescência do irmão, que a olha e, com alguma agitação, apesar de não falar, demonstra estar a perceber o que a irmã diz: “A Páscoa era uma alegria para o Ernesto. Fazia uma festa. Nesse dia, comia-se sempre bem. Matávamos um galo, porcos, fazia-se arroz”.
Ser guloso é também algo que o caracteriza. Agora, menos, com o avançar da idade. “Mas quando era pequeno, quando íamos à festa – Senhora da Fé ou à Feira da Ladra, trazíamos sempre doces para ele. Queria saber logo se lhe trazíamos alguma coisa, quando chegávamos. Ele adorava; comia bem”.
Uma outra curiosidade partilhada foi a de que, “a única saída dele foi ir à inspeção, por causa da tropa, acompanhado pelo pai, e gostou mesmo. A vida dele foi proteger a casa, andava sempre com a chave no bolso”, assegura a irmã.
Sobre a festa dos 100 anos, Maria Custódia recorda que foi feita em casa, com a família. “Foi uma grande alegria para ele”.
O afago das mãos permanece, assim como o amor de irmãos, bem presente e que aconchega o coração de ambos.

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Um projeto CAVA, visto pelo olhar atento de João Sousa, fotógrafo e videógrafo, com o apoio do Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. (IPDJ, I. P.); O Jornal de Vieira e Rádio Alto Ave.